João Pedro Azul


  Estás em casa. Ainda que o teu cheiro se tenha tornado ténue e este não seja o teu silêncio, estás em casa. Vejo-te a fazer a mala. Estou sentada na beira da cama. Não fizemos amor nessa noite, amor. Estava cansada. Inútil cansaço, sei-o agora. Tu estavas feliz. Ia ser bom para ti. Bom para a tua carreira. A tua posição na empresa. Eu também estava feliz, por ti, amor. Estás em casa. Afinal eram só dez dias. O tempo...

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Catarina Santiago Costa


Catarina Santiago Costa
  Sebenta (cygnus) #1 A poesia é oriunda da fronteira matizada entre o essente e o escrito. Conheces o cisne esbracejante perseguido pelo negro como se à morte devesse tempo? #2 Sou o cisne tennysoniano que esbraceja agónico na fronteira matizada entre o essente e o escrito. A morte segue-me de perto como se lhe devesse tempo. Texto :  Catarina Santiago Costa  Foto : Estelle Valent...

Carla Diacov


Carla Diacov
The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex. num açougue abandonado nasceu uma só folha de cipreste entre um tijolo solto e  um gancho oxidado uma mulherzinha está ali do outro lado do balcão arruinado ela quer a mostra do porco ela quer estampar o avental as luvas ela quer a carne da cor da folha do tempo quantos minutos de forno? pergunta  tirando raízes e folhas dos olhos  quanto de abandono pra...

Nuno F. Santos Cash


Nuno F. Santos Cash
  Sempre que me torno num Domingo murcho de alegria. A saudade pode ser isso. Estar numa salamandra de campo com neve e cães de casota, currais com coelhos às dezenas lá fora dos azulejos e... lembrar-me do calor com a sombra dos pratos de plástico a Sul. O Sul pode ser isso. Não uma geografia nem sequer os meus pais a educarem-me com piqueniques nos fins-de-semana, à mais mínima luz. No Sul, onde há mar ou onde há longe...

Gisela Casimiro


Gisela Casimiro
ALICERCE À tua volta tudo em obras. É assim que sei qual de nós é o verdadeiro artista. Soubeste delegar para a cidade todos os fossos, a lama, os sinais, as barreiras e as campainhas de um alarme já não tão mudo. Tens escavadoras, guindastes e camiões à tua mercê. No meu exército só existo eu. A cidade não é mais do que a extensão do que te consumia tanto que não mais podias escondê-lo. A terra, revolta como o meu estômago,...

Ana Sofia Paiva


Ana Sofia Paiva
Breve Ela volteia no lago do muro.  É um cisne de asfalto.  Ela assombra, é sombra glamorosa, adumbrada na parede turmalina dos meus olhos, espraiando o meu coração inteiro pela calçada  em piruetas de carvão. Ela ateia um circo de sonho na praça dos meus olhos, sem plumas de Paris. É no meu quarto que ela dança, que ela avança, que ela diz:  “Breve.”  Ela dança na rua, pelos...

Sónia Oliveira


Sónia Oliveira
imersão tu sabes que nunca hesitei em mergulhar sem suporte de vida, levar ao limite o fio de luz que ia libertando com um rigor de ourives, para emergir com as mãos cheias de esponjas e de corais vermelhos. descer a noventa pés e regressar. cinco minutos de apneia. sem outro peso que não o meu próprio peso e o peso de todas as respirações que por mim ficavam suspensas. sabes que o mar me amava, que me despia do corpo,...

Cristina Nobre Soares


Cristina Nobre Soares
Lembro-me pouco daquela vida. Lembro-me que era uma vida com uma varanda de ferro forjado e retorcido. Talvez pelo tempo. Lembro-me que a vizinha do primeiro esquerdo chegava sempre às seis e vinte. Era uma mulher de cabelo crespo e usava um casaco azul clarinho com cotoveleiras de bombazina a taparem o coçado. Lembramo-nos sempre de coisas que não interessam para podermos esquecer as que nos doem. Lembro-me que...

André Gago


André Gago
Who’s There?   Uma das coisas que me mantém vivo — estar vivo é apenas uma das muitas formas de irmos dando cabo de nós — é esta surpreendente crença naquilo que se poderia comparar a um milagre, mas bastante mais plausível do que um milagre, por dispensar o artifício engenhoso, mas redutor, da religião: faria, simplesmente, todo o sentido que me batesses agora à porta. Seria, aliás, a única coisa que faria algum...

Nuno Miguel Guedes


Nuno Miguel Guedes
Era a grande noite da tempestade. Talvez tenha sido o único a vê-lo, entre os brilhos baços das vidas ao abandono. Saiu da multidão como um náufrago é expulso pela maré que o lança na praia, o balcão uma ilha desejada. Desajeitado como todos os perdedores, acendeu um cigarro e quase sussurrou o pedido de uma cerveja. Depois olhou em volta. Ao longe conseguia perceber-lhe no olhar o desespero manso de quem vê em todos os...

João Silveira


João Silveira
Monday Sickness Blues as mãos incham-me agarradas aos vestidos dos piquenique incendiários nas arcadas das urbanizações de parquet e vidros duplos, o cigarro nas mãos a preto e branco, o testemunho do nosso corpo sacralizado em fotografias e folhas de papel, odes a ser bichos que apontam sempre para o final do espaço, derradeiros suicidonautas cheios de fome, as mãos doem-me de segurar os vestidos que balouçam...

Teresa Lopes Vieira


Teresa Lopes Vieira
A mãe das coisas Escreve uma cena disse ela escreve um poema, um conto ou uma fábula. Então eu resolvi falar um pouco sobre a tua vida, sabes, aquela das doze infâncias. Quando ainda eras tão mais nua do que agora e te debruçavas nas árvores, corrias atrás dos patos. Lembro-me bem de como todos os animais de odiavam, por tu lhes infligires as maiores torturas. Alguns já eram mesmo capazes de detectar os teus...

Lara Franco


Lara Franco
Perversidade sonora A incerteza que te dou é exacta. Tem dentro dos dedos a felicidade de deslizar sobre a tua superfície monstruosamente densa e imensurável. Tem na ponta da língua o desejo da maravilhosa surpresa destroçada. No desequilíbrio da perversidade dos teus olhos, as sobras de voz que te deixo não passam de gemidos. São sinais da cedência de passagem que o meu corpo rasga contra o grito, pelas noites obscuras...

Sofia Cunha


Sofia Cunha
INÚTIL Segura-me inútil, assim tombada de tudo e de nada. Segura-me, inútil! Segura-me ainda que de nada te sirva. Somos iguais, tu e eu, não vês? Abraça com força o inútil de mim. Larga o resto que não sobra. Não há que temer. Deixa ao medo o nada que resta do que seguras, é tão pouco o que te confio. Não pode ser assim tão difícil, um quase nada de gente, levezinho. Não há Cerélac capaz de...

Paula Cortes


Paula Cortes
ENSAIO SOBRE O OLHAR I A LUZ                 - Atenta: a luz é perigosa.  Até àquela noite, toda a minha existência tinha sido levada como a de uma traça. Bastava despontar um feixe de luz. Qualquer foco era bastante para bater as asas na sua direcção. Quanto mais luz, mais vejo – pensava eu com a certeza idêntica àqueles que na idade média asseveravam a verdade...

Luís Osório


Luís Osório
ÉS UM VESTIDO Quase parece um vestido. Se o fosse, imaginá-lo-ia num cabide branco, em espera. Inventaria então o mais brutal dos desejos: o de um corpo o poder habitar sem asfixiar de realidade. No fundo dos fundos há uma porta invisível. Saberei reconhecê-la porque nenhuma outra é igual. Não a vejo, imagino-a como uma palavra de um alfabeto privado. A porta invisível que mais parece um vestido creme, em...

Luis Serra Santos


Luis Serra Santos
                                                        VERDE ESBATIDO EM MIM, DE TI                                                       ...

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