João Pedro Azul


 


Estás em casa. Ainda que o teu cheiro se tenha tornado ténue e este não seja o teu silêncio, estás em casa. Vejo-te a fazer a mala. Estou sentada na beira da cama. Não fizemos amor nessa noite, amor. Estava cansada. Inútil cansaço, sei-o agora. Tu estavas feliz. Ia ser bom para ti. Bom para a tua carreira. A tua posição na empresa. Eu também estava feliz, por ti, amor. Estás em casa. Afinal eram só dez dias. O tempo voa. Eu sei, eu sei. O teu abraço — a minha casa. A nossa.

O tempo é uma coisa estranha. Parece-me agora que toda esta cena demorou dias. Dias inteiros. Longos. Vejo as tuas camisas, uma por uma. Estás em casa. Estás. Tão perto de mim. Fui levar-te ao aeroporto. Não havia trânsito, nessa manhã. Curioso. Talvez fosse cedo. Foi cedo, sim, amor. Um cedo esmagador. Estás em casa, e eu estou a chegar. Não consigo habitar este vazio sozinha. É demasiado largo. E esta dor tão estreita. Perdoa-me. Não te zangues comigo. Mas não consigo sobreviver ao horror. Estás em casa, é aí o meu lugar. Junto a ti. Minha vida, meu amor. Só tenho pena da Mimi que não pára de miar ao ver-me aqui suspensa nesta corda. Mas ela há-de sobreviver. Estás em casa. Abre-me a porta, amor.

Texto :  João Pedro Azul
Foto : Estelle Valente

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